Spirit of 78, a prova

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Raquel Gago
Spirit of 78 Triathlon

O passado sábado foi dia de Spirit of 78. Por já ter antecipado os meus agradecimentos para com os que fizeram do meu Spirit of 78 uma experiência fantástica, nesta publicação, vou deter-me predominantemente sobre a prova e o significado que tem/teve para mim.

Espero que o testemunho que deixo nas linhas que se seguem, possa servir de orientação e, quem sabe, motivação, para os que se querem aventurar por estas andanças.

Eram para fazer este ano e não puderam estar presentes? Poderia dizer, “não sabem o que perderam”, mas prefiro sugerir “inspirem-se”. Têm um ano para o fazer e já está a contar…

Objetivamente, quem não aprecia esforço físico, desporto e considera este tipo de atividades desajustado recomendo o que faço com o que não me cativa. Não ler mais. É aborrecido.

Uma breve reflexão sobre a forma de estar relativamente a este tipo de prova:
Começaria por dizer que fazer um Ironman, pode ser um evento único, daqueles que se fez uma vez na vida e nunca mais nos metemos noutra. Ficamos por ali, felizes com uma conquista para a vida. Ou, poderá ser uma forma de estar na vida. Quase como tremoços e cerveja. Quanto mais se consome, mais vem para mesa. Escolhi a segunda. Bem, não escolhi, fui/vou escolhendo.

Hoje, quarta feira, numa altura que as marcas do sofrimento físico já cederam lugar a outras preocupações, seria o momento em que começaria a pensar quando irá ser a próxima. Não vai acontecer. Decidi que me vou dedicar ao que chamamos de “Half”. Fico-me com o sabor pela metade e o prazer por inteiro. Não é um fechar da porta nem um “nunca mais”, mas a busca de prazer noutras dimensões deste magnifico desafio. E já vão 5. Não é muito em 4 anos consecutivos. É olhar para o palmarés dos que me acompanharam na prova deste ano, para não falar dos que já são uma lenda nestas andanças.

A preparação e o que teve de novo, para mim, o Spirit of 78 deste ano?

Quem se propõem concluir um Ironman, situar-se-á nos dois primeiros quadrantes da matriz de Eisenhower e deverá treinar de acordo com o princípio de Paretto. Esta é a minha opinião, suportada em alguma literatura que selecionei, e a abordagem que adoto/adotei.

Fazer o Spirit of 78, é não só recuar no tempo, mas, também, ser fiel a estas duas abordagens. Quando aqui chegamos, levantar entre as 4 e as 5h é perfeitamente banal. O treino, o compromisso, e a tolerância à dor física e psicológica já fazem parte do ADN. A mutação vai ocorrendo de forma natural. Não é necessário apressarmos as coisas.

Impus-me cumprir todos os preceitos para integrar o clube dos que trajam a rigor para esta prova. Levar o bigode (já o tinha feito nas 2 edições anteriores), levar sunga (já o tinha feito na edição anterior), levar a bicicleta em aço com mudanças no quadro, foi novo. E o top à moda dos finais da década de 70, também. Concluir o percurso e a prova. E cumpri.

Preparei cuidadosamente o meu plano e executei-o. A compra da bicicleta antiga, o corte e costura do top foram os elementos novos face ao ano anterior. A preparação da bicicleta obedeceu a ajustes (os possíveis) e a testes de adaptação para minimizar a incerteza dos 180km de prova. O top, roçou entre o caricato e stress de última hora. Resolvi recortar uma camisola velha e pedir que a costurassem com bolsos para colocar a nutrição e o lixo que se gera com os plásticos da nutrição, durante a prova. Julguei ser fácil explicar a costureiras profissionais. Não foi. Criaram bolsos a toda a volta e falharam os prazos acordados. Quando vi aquilo, nem sabia bem se me havia de rir ou me sentir frustrado. Bem… adiante.

As necessidades de hidratação e alimentares também foram contabilizadas para a duração que estimei como exequível para a concluir a prova, 12h (se fossem, mais, também não morreria de fome ou de sede, nem ficaria mais triste). O treino, não fiz treino específico, fiz o que faço de forma regular e fui com o que tenho na “mochila”. No que diz respeito a tempos, levava na bagagem a ambição pelas já mencionadas 12 horas e fazer o segmento de corrida, a maratona, abaixo das 4h.

Vamos a factos:
Percecionei que o evento deste ano terá tido um dos maiores números de atletas a levar bicicletas antigas e trajes alusivos a 78. Este facto, na minha opinião acrescentou muito valor à prova deste ano e foi delicioso para quem assistiu. Até para mim, que não fazia a ideia com que estava a cruzar. Salvo raras exceções, só no final é que percebi que era este ou aquele “bigodes”. Perdoem-me os “bigodes” que poderei ter sido ingrato ao não reconhecer durante a prova.

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Hunting The Light
Spirit of 78 Triathlon

A preparação para a partida:
Fui o primeiro a chegar a PT1 (parque de transição). Calmamente, coloquei o meu material e tirei as fotos da praxe. Logo que chegaram os primeiros elementos do STAFF para colocar os tapetes na saída da água, dirigi-me ao PT2 para fazer o check-in e aguardar a boleia para a zona de partida. O reencontro e o prazer em ver as caras destas andanças por ali, alegraram o meu dia.

Uma vez chegados à zona de partida, encontro o Filipe e o Tiago a preparar os caiaques para o apoio à natação. Se nos anos anteriores me senti seguro e correu bem, ter amigos de longa data na partida e por perto durante a natação só poderia trazer as melhores sensações e só poderia correr ainda melhor.

O segmento de natação:
Não tendo feito o meu melhor tempo nesta edição, senti-me confiante e senti que tive um desempenho melhor dos que nos anos anteriores. A corrente a favor era pouco notória e o nível do rio estava mais baixo do que nas edições em que participei. Também, não apanhamos a pequena vaga que nos assola à chegada. Estes fatores reduziram imenso o stress no cruzamento pelas boias de sinalização e na saída da água.

Saibam que a saída da água é um espetáculo dentro do espetáculo. Só faltou imitar os pioneiros do triatlo em Peniche, na época em que a mudança de roupa atraía as senhoras locais (temo estar a abrir a caixa de Pandora).

O segmento de ciclismo:
Começou mal. À saída do PT1, a corrente prendeu. Perdi ali uns minutos entre o stress de estar a começar mal e a falta de alternativa caso não resolvesse o imprevisto. Respirei fundo e resolvi ali. Ainda bem que aconteceu. Transformou-se num alerta e numa oportunidade. Passei a ir com cuidado na troca de mudanças. As mudanças no quadro, além de nada ergonómicas, causam imensa dor nos bíceps. Propus-me ir o mais aerodinâmico possível e isso afetou o equilíbrio do tronco para efetuar as mudanças com uma mão enquanto me equilibrava com a outra. Ao cabo de duas voltas, onde tentei andar num registo próximo do que faço com a bicicleta mais leve, já me doíam mais os braços do que no segmento de natação. Comecei a abrandar e a pensar que ainda não tinha chegado a meio do segmento. Vieram as más sensações. Entre o início da terceira volta e finais da quinta tive de ir contido, sofrido e a tentar encontrar a melhor posição. Acreditem que a sunga não foi o pior. Se não nos preparamos para as falhas, então teremos de estar preparados para falhar. Não foi o caso, mas esteve próximo (de falhar). A custo, aguentei-me. O relógio só disparou os alertas nas subidas, onde ultrapassei o registo de esforço planeado. Não pensei que 6kg a mais tivessem tanto impacto a partir dos 60km. Ou melhor pensei, mas não valorizei (um erro básico).

Aproximadamente meio da quinta volta fui dobrado pelos dois primeiros. Senti que estes ficariam com, pelo menos, 1h10 a 1h20 de avanço sobre mim no segmento de ciclismo. Talvez até um pouco mais. Estavam a rolar bastante soltos e eu estava a abrandar (involuntariamente). Entretanto, perdi a noção dos que lhes sucediam. Pois os que cruzavam comigo em direção ao retorno mais longo, tanto poderiam esta na minha volta como na última volta. No final da quinta volta, resolvi parar, literalmente, para aliviar um pouco e reabastecer, mais uma vez. Entre 2 ou 3 beijinhos à Isabel, lá me decidi fazer à estrada. Mais minuto menos minuto, não faria muita diferença no resultado do segmento. Até ali tinha cumprido o plano de hidratação e alimentação à risca, sem parar. Ter levado as sandwiches no quadro, fez com que a minha bicicleta parecesse a “Tasca da Badalhoca” em modo nómada. O facto, é que ajudou imenso. Saí para a última volta mais forte do que nas anteriores. As dores já estavam espalhadas pelo corpo todo. Deixei de as processar. Fui ciente que iria demorar mais de uma hora a concluir a volta e que sairia das 6h15 a 6h30 planeadas. Fui sem pressão e num registo ligeirinho. Ainda dava para chegar a horas de assistir ao campeonato do mundo de Ironman. Apercebi-me que ainda havia um número significativo de atletas no circuito. Não estar só, é menos desanimador. No final do segmento de ciclismo, entreguei a minha bicicleta (como os Pros) e não pude deixar de me aperceber de um comentário de alguém, nas proximidades, que em alusão aos plásticos que levei para prender as sandwiches ao quadro, referiu “esta ainda vem com os plásticos”. Presumi que estaria a caricaturar que uma bicicleta do século passado estaria ainda com marcas de nova. Foi um momento de humor refinado. Vieram-me à memória os filmes do Woody Allen.

A transição foi bem mais rápida do que a anterior. Tratei de me hidratar e alimentar-me bem, pois ainda vinham uns longos 42 Km de corrida.

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João Faria
Spirit of 78 Triathlon

O segmento de corrida:
Saí com uma garrafa de água e uma sandwich na mão, quase em ritmo de caminhada. Após tragar completamente a sandwich comecei a correr num ritmo muito confortável. O plano era ir entre os 5’10’ e o 5’40’ para concluir a corrida nas 4h. Após meia-volta ao circuito, apercebi-me que estava a andar mais rápido do que a maior parte dos atletas que estavam no circuito de corrida e mais rápidos do que o planeado. Os alertas do relógio para voltar ao ritmo definido eram uma evidência. Fui ignorando. As 3 primeiras voltas passaram rápido (perceção apenas). Estava com meia-maratona concluída. Sentia-me como quando comecei a correr.

Doíam-me os joelhos, como no início, mas sentia-me forte em termos musculares, o batimento cardíaco controlado e a frequência respiratória também. A vontade de urinar, tal como no ano anterior começou a assolar-me. Bom sinal. Estava hidratado. Que chatice. Decidi que, desta vez, não ia arriscar a casa de banho da Cepsa estar ocupada e fazer um desvio para ir aos arbustos (este ano não havia arbustos). Percorri mais volta e meia e dirigi-me a um WC quase a meio do circuito. Custou-me um minuto, mas saí bem mais aliviado e mais motivado. Sentia que estava hidratado para poder manter o registo. Continuei com o relógio a lembrar-me que deveria abrandar. Dava perfeitamente para fazer a maratona bem abaixo das 4h. Para quê a pressa? Estava a saber-me bem ir na “raça”. No final da quinta volta, 35km, senti que continuava forte e que não ia ceder à pressão dos alertas para baixar o ritmo. Nem conseguia crer que estava a correr, literalmente, bem. Na sexta e última volta senti que em 34 a 35 minutos que previa demorar, muito poderia acontecer e o “desligar” é algo que acontece aos melhores do mundo (algo que eu nem me aproximo de ser). Mas, ao passar metade da volta a sensação foi de que continuava tudo como no início. Acelerei uns segundinhos e rolei abaixo dos 5’. A chegar à entrada do parque do museu de imprensa, lá estava a Isabel a filmar ou fotografar (nem sei bem). Foi a altura de abrandar e “arrastá-la” comigo até à meta. Afinal, estávamos a uns metros de terminar com sucesso o desafio. Nem que tivesse que rastejar ou rebolar.

A reflexão final:
As cerca de 3h35 de maratona deixaram-me em êxtase. Foi o meu terceiro registo mais rápido nos 42km. Se atender que nos dois melhores anteriores, não tinha nadado nem pedalado 180km com uma bicicleta de aço, diria que foi perfeito.

Deitei-me no chão por uns minutos a saborear o momento. Não fazia ideia do lugar em que fiquei nem perguntei. Deixei tudo na prova. Dei tudo para me superar, para dignificar a prova dos vencedores, dos que não tendo ganho, me antecederam e dos que me sucederam a cortar a meta. Bem hajam por se superarem e pelo fair play.

Depois de recuperar minimamente do estado de exaustão, de tomar um banho quente e tragar algo que fizesse bem à alma, juntei-me à “tripulação” que estava na linha meta com um olho nos atletas que iam concluindo e o outro no campeonato do mundo de Ironman.

Foi neste período que recolhi o meu troféu de “Finisher”, a estatueta que é obra de um dos nossos, o Pedro Conceição.

Também foi neste período que apreciei o “Gift” personalizado que a Cristina me entregou no check-in. Dois objetos simples, mas com grande valor acrescentado. Se já estava encantado por ter concluído a prova em menos de 11h30 e ter feito um segmento de corrida inesquecível, tinha todos os motivos para estar em êxtase com os “brindes” tão especiais. RESPECT por esta gente. Sabem como fazer pessoas felizes.

Ontem, depois de terminar a minha atividade laboral, tentei ler a interminável lista de mensagens no grupo e vi que tinha terminado a prova no TOP 5. Ciente que a posição na tabela classificativa é algo circunstancial e não me faz melhor nem pior dos ninguém, foi a cereja no topo do bolo e um prémio demasiado bom para uma prova tão sofrida. A minha alma voltou a viajar com tenta felicidade e só regressou ao corpo à minutos.

Os objetivos “gordos” da época de triatlo para este ano terminaram aqui. Num balanço rápido, foram 3 “Half” e 2 “Full ” Ironman e muitos RP’s superados. Todos eles com uma enorme felicidade.

Com esta prova, inevitavelmente, perdi velocidade de corrida e o tempo para recuperar até ao último objetivo da época, é curtíssimo. Não é uma opinião é um facto corroborado pelos especialistas em desporto. Mas, lamentos e desculpas, deprimem-me. Maratona do Porto, aguardem-me…. ….e seja o que o meu corpo permitir.

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Inscrições Encerradas

As inscrições para a Sétima edição do Spirit of 78 Triathlon estão encerradas.
Vemo-nos a 14 de Outubro para mais um dia memorável.

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